Havia luz. Luz por todos os lados, em todas as esquinas, em todos os candeeiros. Para onde quer que olhassem sentiam-se acolhidos por ela, aquele efeito que faz com que as pessoas decidam pôr de facto o pé na rua, à noite.
Mas nada na noite é certo, não é por acaso que a maioria dos filmes de terror se passa à noite, ou num ambiente escuro pelo menos. Sinistra, é mais a palavra. Só se sente realmente essa palavra depois de passar a hora do crepúsculo. Porque será? Miguel e Túlio nunca se tinham preocupado em pensar nisso. Para quê? A noite era deles...
Seguiam o seu caminho, silenciosa e felizmente. Era bom assim.
- Miguel, o que achas de pararmos ali pelas escadas da igreja de São Roque, fumamos um cigarro, e depois continuamos?
- Por mim tudo bem. Temos todo o tempo do mundo - Sim.
Finalmente chegaram e sentaram-se naquelas escadas frias, mas para Miguel e Túlio não menos simpáticas por isso.
- Estou cansado hoje... Mas sinto-me bem. Apetece-me simplesmente olhar para as coisas sem exigir mais nada delas, só a sua imagem para a poder contemplar - disse Miguel.
- Pois, mas a única coisa que tens à frente é aquele homem ali da estátua, da estátua verde.
- Estranho, a esta hora a posição do homem não faz muito sentido, parece despido no meio da praça. Faltam-lhe os pombos à volta!
- Deve ser isso... - Túlio não estava com muita paciência para as teorias do amigo.
Dois minutos passam em silêncio. Pode ser impressão, mas Miguel e Túlio sentem ao mesmo tempo um frio gélido instalar-se, assim muito de repente.
Miguel nesse momento vê.
- Túlio! O homem mexeu-se! A mão, acenou! Não viste?!
- O quê? Eu já tinha reparado que hoje não estavas muito bom... Vê lá se te acalmas mas é.
- A sério! Juro!
- Vamos mas é sair daqui Miguel... É melhor.
- Eu não tenho medo, e quero ver se ele acena outra vez.
- Acena?! Achas que a estátua te está a acenar? Miguel, estou a ficar assustado, vou me embora, vai ter ao restaurante.
- Okay.
Túlio foi, e nisto, Miguel ficou apenas com a sua certeza de que o aceno se ia repetir a esquecer-lhe do frio que vinha do mármore.
E foi mesmo assim, o homemzinho, ou o que fosse, levantou a sua mão de aço outra vez, muito lentamente. Miguel desejou aproximar-se, ver de perto que fenómeno era aquele que fazia o braço de uma estátua mexer-se. Uma estátua! Verde.
E, agora que pensava nisso, quem era o homem da estátua? Nunca se tinha lembrado de ir ler a placa que indicava o seu nome, nem tinha sequer ouvido falar de quem poderia ser a personalidade ali representada... Não parecia muito imponente. Parecia apenas um homem simples, de braços abertos para segurar os pombos, a sua principal actividade enquanto estátua. Verde.
Verde. Aquele verde garrafa das estátuas que amparam pombos. Oh, Miguel tinha de parar de conjecturar, e começar a agir! Para finalmente perceber.
Miguel levantou-se, deu os passos necessários para se encontrar a cinco metros do dito homem de aço. Tão perto...
Miguel tenta dar mais um passo, levanta a perna, sentindo o seu momento, sentindo tanto, demais para ver onde põe efectivamente o pé. Tinha chovido... Miguel escorrega e cai! Cai tão brutalmente que deixa de sentir o pé esquerdo. Paralisa, não se consegue levantar. E não passa vivalma na rua, zero. Miguel fica aflito, tenta desesperadamente levantar-se até que os seus olhos voltam a fixar-se na estátua.
A estátua sorri.
Sinistras, as noites