terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Era uma vez uma estátua... Verde.

Miguel e Túlio saíram à rua nessa noite. Com a noite a envolvê-los naquela sensação de que ela era deles, tinham-na sobre controlo. Mas esqueciam-se que era a própria noite que provocava essa sensação, por isso o controlo que sentiam podia muito bem ser ilusório... Ou não.
Havia luz. Luz por todos os lados, em todas as esquinas, em todos os candeeiros. Para onde quer que olhassem sentiam-se acolhidos por ela, aquele efeito que faz com que as pessoas decidam pôr de facto o pé na rua, à noite.
Mas nada na noite é certo, não é por acaso que a maioria dos filmes de terror se passa à noite, ou num ambiente escuro pelo menos. Sinistra, é mais a palavra. Só se sente realmente essa palavra depois de passar a hora do crepúsculo. Porque será? Miguel e Túlio nunca se tinham preocupado em pensar nisso. Para quê? A noite era deles...
Seguiam o seu caminho, silenciosa e felizmente. Era bom assim.
- Miguel, o que achas de pararmos ali pelas escadas da igreja de São Roque, fumamos um cigarro, e depois continuamos?
- Por mim tudo bem. Temos todo o tempo do mundo - Sim.
Finalmente chegaram e sentaram-se naquelas escadas frias, mas para Miguel e Túlio não menos simpáticas por isso.
- Estou cansado hoje... Mas sinto-me bem. Apetece-me simplesmente olhar para as coisas sem exigir mais nada delas, só a sua imagem para a poder contemplar - disse Miguel.
- Pois, mas a única coisa que tens à frente é aquele homem ali da estátua, da estátua verde.
- Estranho, a esta hora a posição do homem não faz muito sentido, parece despido no meio da praça. Faltam-lhe os pombos à volta!
- Deve ser isso... - Túlio não estava com muita paciência para as teorias do amigo.
Dois minutos passam em silêncio. Pode ser impressão, mas Miguel e Túlio sentem ao mesmo tempo um frio gélido instalar-se, assim muito de repente.
Miguel nesse momento vê.
- Túlio! O homem mexeu-se! A mão, acenou! Não viste?!
- O quê? Eu já tinha reparado que hoje não estavas muito bom... Vê lá se te acalmas mas é.
- A sério! Juro!
- Vamos mas é sair daqui Miguel... É melhor.
- Eu não tenho medo, e quero ver se ele acena outra vez.
- Acena?! Achas que a estátua te está a acenar? Miguel, estou a ficar assustado, vou me embora, vai ter ao restaurante.
- Okay.
Túlio foi, e nisto, Miguel ficou apenas com a sua certeza de que o aceno se ia repetir a esquecer-lhe do frio que vinha do mármore.
E foi mesmo assim, o homemzinho, ou o que fosse, levantou a sua mão de aço outra vez, muito lentamente. Miguel desejou aproximar-se, ver de perto que fenómeno era aquele que fazia o braço de uma estátua mexer-se. Uma estátua! Verde.
E, agora que pensava nisso, quem era o homem da estátua? Nunca se tinha lembrado de ir ler a placa que indicava o seu nome, nem tinha sequer ouvido falar de quem poderia ser a personalidade ali representada... Não parecia muito imponente. Parecia apenas um homem simples, de braços abertos para segurar os pombos, a sua principal actividade enquanto estátua. Verde.
Verde. Aquele verde garrafa das estátuas que amparam pombos. Oh, Miguel tinha de parar de conjecturar, e começar a agir! Para finalmente perceber.
Miguel levantou-se, deu os passos necessários para se encontrar a cinco metros do dito homem de aço. Tão perto...
Miguel tenta dar mais um passo, levanta a perna, sentindo o seu momento, sentindo tanto, demais para ver onde põe efectivamente o pé. Tinha chovido... Miguel escorrega e cai! Cai tão brutalmente que deixa de sentir o pé esquerdo. Paralisa, não se consegue levantar. E não passa vivalma na rua, zero. Miguel fica aflito, tenta desesperadamente levantar-se até que os seus olhos voltam a fixar-se na estátua.
A estátua sorri.

Sinistras, as noites

1 comentário:

  1. parece me tal qual um filme. Excelentemente bem descrito. Tou me a ver nessa noite, perto dessa estátua... verde.

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